domingo, 28 de junho de 2009

[Sem assunto]

Caro amigo,

por aqui as coisas andam em passos de caipora. Dia e noite minha cabeça pensa que pensa, mas me põe em um lugar inerte, no qual não sei qual será a solução disso... sei apenas que deve vir, a jato, a automóvel, a pé, no rastro do pensamento. Espero que por aí as coisas estejam melhor ou ao menos mais calmas. A serenidade daqui nunca é extensa, sempre vem acompanhada de uma angústia, um desprezo, um arrependimento. Certa vez me perguntei como resolver isto, como pôr fim em impulsos de morte do espírito tão fortes. Nunca consegui conclusão alguma. Imaginemos que sentir uma dor é o suficiente para saber que há de se ter cuidado para não embater sobre ela novamente. No entanto, apesar de tal aviso, a sentimos com maior e desorientamente mais força. Olhos traídos nunca mais enxergam a mesma imagem. Doravante ela é má, receosa, maquiavélica. A vida só é triste quando a sentimos de verdade. Só existe quando é a dor e não a felicidade que nos acomete. A felicidade é um barco que rema sempre em favor da maré, por isso não importa para onde vai, apenas acompanha. Contudo, a dor faz o caminho contrário, provoca e desafia nosso estado acomodado remando rio acima, rasgando a superfície da água com seus pedaços de madeira que questionam a legitimidade daquela correnteza. Não bastassem tais infortúnios, cancelamentos da alma, ainda me sinto só. Tristemente só. Encontro conforto em lugar onde havia o receio e a indisciplinaridade, a anarquia. Não pode haver anarquia em nenhum lugar. Nem na arte, em nenhuma arte, posto que num quixitim de lugar deva acontecer a ordem. É preciso a ordem para esclarecer a presença da desordem - e vice-versa. Procuro muitas vezes um conforto e segurança num porto que me trouxe a tempestade, a saraivada de água do alto. E isso me põe pra dentro, como se o peito voltasse contra si mesmo e se tornasse um buraco negro, um abismo imenso em que não se consegue encontrar nada. Como se, na tentativa de pescar com as mãos as agruras do espírito, estas fugissem, esquivassem por entre os dedos. A nau que antes me conduzia naufragou, pôs-se de bico às profundezas. O que me torna chulo, mesquinho, vingativo, é acreditar que tudo passa. Parece-me atitude omissa, covarde. Mas o que fazer quando o porto seguro é o seu algoz, quando quem dá o gelo é também quem lhe trouxe fogo, quando o choro, mais forte, é daquele que também provocou o riso, quando a confissão é com a própria besta? A solidão dói, mas é assim que se arqueia a construção da alma. Amigo, que sua resposta transcreva palavras tristes, mas que tragam felicidade, o pulo no vácuo que é a libertação. Um beijo carregado de incertezas e angústias, mas que espera vindouros dias de júbilo atravessados por uma consciência viva, que carrega em seu embornal a certeza absoluta do seu ato.

Um abraço afetuoso,
Paulo.

3 comentários:

  1. Já linkei vocês também no Cidadão Cão.

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  2. Do lado do cá da tela do computador...um anônimo busca na cidade seca a serenidade d'alma.

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