sábado, 26 de setembro de 2009

Onde o caos reina



Assisti ontem ao polêmico filme de Lars von Trier, Anticristo, um terror psicológico marcado por todos os pesadelos que o cineasta dinamarquês teve durante os dois anos que passou em depressão. A obra conta a história de um casal, interpretado por Willem Dafoe e Charlotte Gainsbourg, que se refugia numa floresta isolada após a morte de seu filho. Ela, uma escritora totalmente entregue ao luto, ele, um terapeuta que usa a psicologia para ajudá-la. Uma história interessante, densa, que muito nos faz refletir sobre a condição humana. Uma fotografia impecável, música idem e direção com a qualidade característica do cineasta.

Porém, há um porém. Em determinado momento do filme, ouso dizer que para o espectador a interessante história acaba sendo relegada a segundo plano. Von Trier apresenta a tragédia com requintes de crueldade e alguma apelação, que pontualmente nos fazem lembrar ao aflitivo Jogos Mortais. Gratuitamente explícito e chocante com suas cenas de mutilação.

No festival de Cannes, onde estreou, um escandalizado jornalista do inglês ‘Daily Mail’ o indagou: “O senhor pode, por favor, explicar e justificar por que fez esse filme?”. Von Trier respondeu: “Não tenho que me justificar. Faço filmes... É uma pergunta muito estranha. Trabalho para mim mesmo, não devo satisfação a ninguém. Não tive escolha [ao fazer o filme]. Foi a mão de Deus, eu temo, e eu sou o maior diretor de cinema do mundo”.

De fato, pergunta tola. A justificativa sobre os porquês do filme de nada adiantariam e em nada o amenizariam. A obra está lá, decidam por fruir ou não. A minha opinião? Preparem-se psicologicamente e desfrutem-no.

Assistam ao trailer aqui.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

In memory of


Sei do descuido para com este tão legal espaço. Pra mim assim também ele é. Mesmo que só pra mim. De tão azafamado por conta de trabalho e de uma vida boêmia que deixei meio que de lado junto com os 24 anos, acabou que me esqueci de dar atenção a isso que tanto gosto; assim como já o fiz outrora com algumas outras coisas. Mas agora está finito, espero eu.

Assombra-me um pensamento: o de pensar que conheço bem uma pessoa que sequer cheguei a conhecer. Pior, achar que ela se parece comigo. Ainda pior, sentir saudades. Mas tal fenômeno - o qual nem sequer tive a audácia de nomear - me pegou de sopetão num desses dias de reflexão pesada e de penitência.

Tomei quase que de assalto alguns escritos de uma pessoa da família que faleceu antes de me conhecer, antes de eu nascer. Não tive a honra, pelo o que parece. E o engraçado é que só nessa altura de minha vida (1/4 de século) é que fui saber mais sobre essa pessoa, ler o que ela escrevia e escutar sobre o que ela fazia. Meu tio, acho eu, me seria um grande amigo. Não apenas por conta do gosto pela escrita ou pela boa música, mas mais por ter me feito sentir coisas que nenhuma outra pessoa morta me fez sentir. Não sei se isso é passível de compreensão, mas também não importa.

Para compensar o descuido para com o blog e para com vocês que o acompanham, se é que vocês existem, posto aqui um texto deste que acabo de vos apresentar, este que não teve a oportunidade de continuar a escrever, este que eu adoraria que fosse meu pseudônimo, além de tio.

BH 19/09/77

*Roberto Terra


Olá garota, como está? Espero tudo bem. Espero também não se incomodar com mais este, deste cara chato. Mas ocorre que me sinto bem assim. Você foi o motivo que me inspirou escrever aquilo que não tenho coragem de declarar poesia, pois não sou poeta.

A importância da vida, e do motivo, reside na esperança. Sim, a esperança é motivo, é estímulo. E do que o homem ou a mulher vive se não de estímulos?

Senti-me feliz, alegre de escrever. Por que não iria mostrar para aquela que foi o motivo? E assim o faço. Retiro os impedimentos mentais e deixo que se manifeste a sensibilidade. E é tão bom assim escrever!... Relembro o que fui e vivo todos os motivos de ontem, que é passado e imaginei morto, mas que ainda vive. E é tão bom!

Parece-lhe estranho, não? A mulher deve se constituir sempre em inspiração para o homem. Inspiração para o trabalho e para o amor. Sua beleza não está tanto em seu porte, sua fisionomia, seus sentidos físicos; mas naquilo que aspira ser, nas virtudes que constam em seu mundo interno, que para o homem se revela num constante mistério que tenta descobrir.

Um abraço afetuoso.


Parece que até no gosto pelas mulheres somos familiares. Quisera eu uma que me deixasse assim.

domingo, 13 de setembro de 2009

Linhas sobre rancor


O homem-sem-escrita acorda dias cinza. Em semanas acorda negro. Em meses não acorda, vegeta. Não há cor nas coisas. Não sabe o que faz quando suas mãos não sustentam o peso de um cumprimento. Anda de olhos bem baixos, como se intentasse cravá-los no chão. Todas suas formas são opacas. Seu rosto carrega semblante lânguido, como se escorresse. Não quer amigos, família, apenas conversa consigo, embora idéias de sua cabeça não aflorem. Engendra dores, apertos no peito e teme a mudança, medifica-se no pior. Posto, sofre.

Percebe som de charanga ao longe sem, no entanto, ouvir feliz seus timbres. Seu café é frio e amargo. O coco sustenta peso de vingança. O homem-sem-escrita é por natureza vingativo. De seus dentes escorrem tempestades, lugares tétricos d´alma. Certa vez, ao ser indagado sobre sua vitalidade enquanto “não palavra” respondeu da seguinte forma:

- A palavra é um bisturi. Rasga, em qualquer instância, acovardamentos do espírito. A alegria, a dor, são representações de tal pusilanimidade. Inventa e erguem-se agruras e é a palavra que concretiza, como tijolos, tal edifício.

O homem-sem-escrita é um aletrado convicto. Não bebe, pois “bebida” é algo passado. Restabelece sua sobriedade na avareza, é cúmplice de sua própria estória e, lancinante, gaba-se do inevitável: tem consciência de seu estado agrafo.

O homem-sem-escrita é nem rascunho, um papel passado em branco negro rancor. Sustenta sobre os ombros cabelos que nascem sem avisar, como um lobisomem que, desavisadamente, não sabe de seu infortúnio. Tem formato curvo, dentes de ouro, mãos e pés com dedos a mais, adoentado na carne. Suas pernas sibilam ao decorrer dos anos. Boca funda, afunda tudo que vê ante a face. Podre estômago. Vestes andrajosas, não menos/mais que a epiderme. Por vezes é chato, redundante e desonesto consigo mesmo.

Mas sente. Aquilo que não é palavra.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Epopéia do ceticismo (ou Por aqui não se sente nada)

Há de se dizer que, na vida, nada é do jeito que nos é apresentado. Se estiver sendo, abra os olhos e acorde. Ainda quando crianças somos ‘levados’ a crer em coisas que posteriormente mostram-se inexistentes. Papai Noel não existe; tampouco a fada dos dentes. Deus não existe; muito menos o amor eterno. E por aí vamos nós, crescendo cegos em nossa plena visão. Apoiamos-nos em frases de efeito durante todo esse percurso que atende pela alcunha de vida, para, no final, passarmos a entender que elas nada mais eram que clichês embebidos em um soro vital que sustentava nossa sociedade. Uma sustentação muito da questionável, diga-se de passagem. Nada saudável e pouco real. Uma anti-tese do pleno viver. É preciso que entendamos que o acontecimento das coisas independe daquilo que nos está guardado. Isso não existe. O que existe são obstáculos que, por sua vez, existem para serem superados. E, mesmo com a superação, a felicidade não é garantida. Triste e frustrado é aquele que almeja a felicidade cabal. Como no esnúquer, onde todas as bolas terminam na mesma ‘gaveta’, independente do caminho por qual tenham seguido, é nossa estadia por aqui. Dirigida por diversas vias que, sendo mais curtas ou longas, podem levar (ou de fato levam) a um mesmo destino (a gaveta é o único certo de que chegaremos). Destino esse que nunca esteve traçado. Essa é uma outra mentira que nos tentam passar. O seu destino é você quem constrói; através daquilo que planta e colhe. Estamos fadados a ir e vir. Sempre. O que vale de verdade é sentir-se bem. E uma boa maneira de conseguir isso é fazendo o bem. E lhes garanto que não é difícil. É mais fácil do que não fazer nada. Ou ainda o mau, quem sabe... eu acho que não sei. Indo e vindo é que vamos nos construindo. Descobrindo como crescer, alimentando nossas vidas com aquilo que ela realmente precisa e cuidando daqueles que são nossos. Não leve a vida tão a sério. Ela não se resume só ao dinheiro, ao sucesso profissional ou sexual. Vai bem além disso. Ou às vezes não chega nem perto. Preocupemos-nos em não atrapalhar. E isso, sem a menor sombra de dúvida, já é de grande valia. Não sejamos carrancudos, mesmo com tantas decepções. Tiremos as rugas de nossas testas. Paremos de rezar. Ao invés de apenas pedir, vamos correr atrás. Vamos ler livros, beber idéias, fumar conteúdos e escutar músicas de alegria:


quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Ode ao Clube Atlético Mineiro


Eis aqui um relato angustiado e exaurido.

O destino do Clube Atlético Mineiro, torço, é chafurdar em lavagem, comer carne em vida, roer os dedos da unha em sangue, tropeçar em pernas quebradas, rasgar o teto da cabeça com aço em fúria, engolir, regozijar e voltar a engolir suas vísceras, lamber o cancro podre que escorre, por onde vaza um líquido asqueroso, sorrir de medo com os olhos vidrados em seu verdugo, decepar o tronco ao meio, arrancar seu pulmão, seu estômago, esôfago, cortar em finas tiras sua língua, secar o cálcio de seus ossos, giletar sua espinha, esmurrar sua fronte até causar pejo, mediocrizar suas palavras, moer seu orgulho, pulverizar sua autoestima até que rasteje como lesma, causar cobiça e repugnância em quem o vê, tostar suas pestanas, inflar sua covardia, sua estigma de insignificância, seu rubor de vergonha, latejar seus olhos em fogo, quem sabe assim, esganiçado por sua mediocridade, torna-se um nada inofensivo, um ser ignóbil por sua existência e, abraçado pelo olvido, retira fardo tão tonelada sobre aquele que ainda se presta a tal amor.

Tudo como dantes

Em 13/08, noticiamos que o MPF (Ministério Público Federal) havia ajuizado ação civil pública para impedir a continuidade das obras de instalação do Mineroduto Minas-Rio, em função das múltiplas irregularidades observadas no processo de licenciamento ambiental do empreendimento, localizado em uma área de extrema relevância ambiental, declarada Reserva da Biosfera pela Unesco.

Duas semanas depois, temos o desprazer de informar que o excelentíssimo presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), ministro Cesar Asfor Rocha, suspendeu a decisão. A tentativa de exposição dos motivos seguem, ipsis literis, conforme release do STJ:

O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Cesar Asfor Rocha, suspendeu a decisão que havia interrompido o processo de instalação do Mineroduto Minas-Rio. O ministro atendeu a pedido do Estado de Minas Gerais. Para Cesar Rocha, a licença ambiental prévia concedida pelo órgão competente, e contestada em ação civil pública, não deflagra o início das obras, apenas permite o andamento do projeto, não havendo, por isso, risco imediato ao meio ambiente.

O presidente do STJ observou que o projeto soma um investimento de R$ 3,6 bilhões, beneficiando diretamente a economia e o desenvolvimento do estado, em especial dos municípios de Alvorada de Minas e Conceição do Mato Dentro. Abrangerá uma área de 2,7 mil hectares, gerando empregos e renda.

O ministro Cesar Rocha identificou potencial lesivo à ordem pública na interferência do Tribunal estadual, que suspendeu, por meio de uma liminar, a licença ambiental concedida pelo órgão competente, o Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam). A decisão vale até o julgamento do mérito da ação civil pública movida pelo Ministério Público estadual (MP).

A licença foi concedida ao empreendedor Anglo Ferrous Minas-Rio Mineração S/A. O MP mineiro questionou judicialmente a licença ambiental concedida, alegando que os técnicos que participaram da elaboração do parecer opinaram pela concessão da licença prévia sem examinar todos os aspectos do projeto minerário, o que violaria o princípio da precaução ambiental e importaria em subversão do processo de licenciamento prévio.

Em primeiro grau, foi negado o pedido de liminar para suspender a licença prévia. O MP estadual recorreu ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), e o desembargador relator determinou a suspensão da licença até a decisão final da Turma julgadora do TJMG.

Daí o pedido de suspensão de liminar e de sentença apresentado ao STJ. O Estado de Minas Gerais alegou a ocorrência de grave lesão à ordem pública, porque, entre outros argumentos, a decisão impediu o pleno exercício das funções da Administração pelas autoridades constituídas.