terça-feira, 27 de outubro de 2009

Por onde as idéias passaram (ou de um antes)


Todos os dias ergue-se naquela alameda de asfalto margeada por árvores, postes e concreto um dos mais famosos e significantes largos da cidade. Era a rua-estado, sempre percorrida por músicos, presidentes, policiais, advogados, enfermeiros, vendedores de amendoim, de rosas, poetas, mendigos, e toda ocupação que o ser humano inventou para os tipos variados encontrados em qualquer lugar em que exista uma fatia de gente. Num pequeno pedaço de chão, chicoteado por aquelas serpentes cobertas de asfalto que rodeiam pela metrópole, vários mundos encapuzados dentro de um só.

Avistada ao longe, talvez do alto de algum edifício próximo aos seus cruzamentos, à noite, parece um enorme caminho de formas, em que todos os prédios, árvores, cores, lembrassem as asas de uma imensa borboleta de concreto. Durante o dia, ainda sentenciada por papéis, máquinas, computadores, aquele naco de noite surgindo e as pessoas se contorcendo para que nascesse o escuro. Alguns pelo cansaço, outros pela inquietação da volta para casa, enormes amontoados de gente se misturam pelos vários pontos de ônibus espalhados pela subida. Esperam, afoitos, todos os moradores da Rua ou mesmo da cidade que a tomba patrimônio.

Ao perceber sua extensão se deveria fazer um abaixo-assinado e transformá-la em patrimônio de boêmios, pedintes, mendigos ou qualquer outra pá de conversa que ali se joga em copos. Designação mais ampla, imperativa, robusta, que guardaria em sua pronúncia formal todas as informalidades que a mesma já produziu. Pequena, provinciana, guarda em si um mundo. É bem possível que se troquem ao longo dos anos os seus pisos, calçadas, é natural que a Rua mais cosmopolita da cidade seja também uma de suas mais conservadas. Entretanto, não deve-se tocar em suas paredes, pois essas já cercearam muitas estórias.

Que do alto, segundo os textos, foram criadas as matas com seus revigorantes verdes e toda matéria-prima que conhecemos é aceitável. Mas, observando aquela Rua, percebe-se como é possível o homem construir com as mãos um belo mundo herege.


Os personagens

Um músico ali entoava, um cineasta ali vislumbrava, um escritor ali imaginava, um poeta ali versava. Milton Nascimento, Schubert Magalhães, Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade foram alguns dos filhos que aquela amamentou. Ao subir e descê-la aquelas pernas todas cruzavam também palavras. Hoje, ainda pouco conhecidos em vista dos acima, outros tantos são encontrados por aquelas esquinas. Talvez não tão músicos, talvez não tão cineastas, talvez não tão escritores, poetas ou mesmo talentosos. Mas todos com a simples e divina infâmia certeza de que costuram seus sonhos com as linhas da calçada, do asfalto, do céu.

Cismas com quem, já de madrugada, quase alvorada, rondava por aqueles caminhos como se rasgasse os espaços com os olhos, de viés, na procura de um dinheiro fácil, um tênis novo, um cordão de ouro, uma farda qualquer que cruzasse seus pulsos com grampos de aço. Ordem.

Seus corredores

Divertidas aquelas esquinas. Guardavam em suas curvas o inesperado. Um bar, um quase-homem, uma ratazana, às vezes gato, por vezes pássaro. Estreitas, as calçadas são ocupadas para o delírio ébrio de vários passantes, diversas cadeiras douradas. Formavam um liberto corredor onde todo imprevisto era bem-vindo. Personagens homens, vivos aparentando mortos, assentos na espera de um companheiro solitário que, desavisadamente, sentaria-se para apenas um trago.

Aquele pequeno, miúdo mesmo bar, parecia estar suspenso ante aquela enorme e estrondosa Rua de carros, motos, ônibus, gritos, sussurros, e abrigava em seu nome o resumo de toda noite: Eldorado. O nome, na verdade, não era este. Mas condizia, em enorme escala, incomparavelmente real em alegoria ao original. De sua posição, era possível mirar todos os principais pontos do quarteirão. O edifício Maletta, sua casa, o restaurante La Greppia, sua irmã, a Janaína lanchonete, sua amante, e sua mãe, o Centro de Cultura de Belo Horizonte, que mais parecia uma catedral barroca, que observava fincada na principal esquina da Rua os passos de seus mais queridos filhos-homem.

Um comentário:

  1. Pouca inspiração, mas comento numa quase-obrigação: o bloguinho de vcs está um chuchú.
    Continuem escrevendo, estou sempre de olho...
    bjs,
    Erica

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