domingo, 13 de setembro de 2009

Linhas sobre rancor


O homem-sem-escrita acorda dias cinza. Em semanas acorda negro. Em meses não acorda, vegeta. Não há cor nas coisas. Não sabe o que faz quando suas mãos não sustentam o peso de um cumprimento. Anda de olhos bem baixos, como se intentasse cravá-los no chão. Todas suas formas são opacas. Seu rosto carrega semblante lânguido, como se escorresse. Não quer amigos, família, apenas conversa consigo, embora idéias de sua cabeça não aflorem. Engendra dores, apertos no peito e teme a mudança, medifica-se no pior. Posto, sofre.

Percebe som de charanga ao longe sem, no entanto, ouvir feliz seus timbres. Seu café é frio e amargo. O coco sustenta peso de vingança. O homem-sem-escrita é por natureza vingativo. De seus dentes escorrem tempestades, lugares tétricos d´alma. Certa vez, ao ser indagado sobre sua vitalidade enquanto “não palavra” respondeu da seguinte forma:

- A palavra é um bisturi. Rasga, em qualquer instância, acovardamentos do espírito. A alegria, a dor, são representações de tal pusilanimidade. Inventa e erguem-se agruras e é a palavra que concretiza, como tijolos, tal edifício.

O homem-sem-escrita é um aletrado convicto. Não bebe, pois “bebida” é algo passado. Restabelece sua sobriedade na avareza, é cúmplice de sua própria estória e, lancinante, gaba-se do inevitável: tem consciência de seu estado agrafo.

O homem-sem-escrita é nem rascunho, um papel passado em branco negro rancor. Sustenta sobre os ombros cabelos que nascem sem avisar, como um lobisomem que, desavisadamente, não sabe de seu infortúnio. Tem formato curvo, dentes de ouro, mãos e pés com dedos a mais, adoentado na carne. Suas pernas sibilam ao decorrer dos anos. Boca funda, afunda tudo que vê ante a face. Podre estômago. Vestes andrajosas, não menos/mais que a epiderme. Por vezes é chato, redundante e desonesto consigo mesmo.

Mas sente. Aquilo que não é palavra.

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