terça-feira, 9 de março de 2010

Da roda de Tango

Não entendemos ou sequer vislumbramos entender o que é o Tango para os Argentinos. Não falo da música, como me disse um portenho "triste, nada alegre, são cores cinzas". O rito de apreciação de uma interpretação de um tango beira o rompimento do espaço. Existe um respeito imensurável com tal cultura. Estar em Buenos Aires e ir a um Tango ou uma Milonga é como ir ao Rio ouvir Samba na Lapa. A diferença, entretanto, não está na entonação de quem canta ou toca, no espaço miúdo que ambos abraçam suas melodias, muito menos nas pessoas que, bonitas, se regozijam ao ver uma potente interpretação. Tal visceralidade existe em ambos.

Contudo, os
cantantes de Tango parecem sustentar uma alcunha distinta. Entra-se num bar, percebe-se o movimento, mira-se as pessoas que conversam incessantemente produzindo uma cacofonia estranha (natural à todos os ambientes lotados) e aguarda-se o acorde inicial. Até aí, em nada se distingue os dois estilos e lugares em que estes são executados. Todavia, ao soar a primeira nota, em vez de um esfuziante acordar o corpo para o ritmo, o que acontece é o contrário, um acender de olhos para o espírito. Tal definição pode parecer piegas, epifania barata, mas é algo próximo a isto. Bêbados e drogados, jovens e velhos, abstêmios comportados ou putas despudoradas, são tomados de um imenso silêncio. O cômodo pequeno, com suas paredes maturadas por tantos anos de sobe e desce bebidas, torna-se um espaço sagrado, como se o violeiro e o intérprete fossem os papas dessa missa profana, que em vez de hóstias traz lamentos, martírios bons de serem passados.

Assim como o passo clássico do Tango que não existe de fato na dança (aquele com as mãos arqueadas na altura do ombro, como flechas que cortam o ar), minha noção passageira desse estado de respeito com tal arte é algo absoluto. Não temos, contudo, mais ou menos respeito com nosso Samba, são amores distintos. Mas observar uma cultura tão fiel às suas criações embebeda e transforma, de alguma forma, todos que a apreciam. Que o diga seu maior representante Carlos Gardel que, por um equívoco do acaso, foi nascer em outra pátria.

Um comentário:

  1. Esse texto do fado também...
    "É uma escada em caracol e que não tem corrimão" (Camané)

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