segunda-feira, 20 de julho de 2009

Tome tento

* a raduan nassar

Guardo uma certeza do mundo: a vida é bruta. Toma-se receio com ela ou esta o queima como uma desregulada torradeira no café da manhã. Uso “queima” como eufemismo, posto que a dor que se sente é tão imensa, desmedida, que não se encontra meios, métodos, para estancar tamanho infortúnio.

Dito isto, reservo as próximas linhas a você: impostora, covarde, mesquinha, ex-amor-da-minha-vida. Tomo posse de certas palavras intentando, provisória e inutilmente, reaver em mim os restos de minha construção, implodida por causas vindas de você Elisa.

1. Ex-querida, começo por avisá-la que suas recomendações não serão mais aceitas por mim, evitando assim, que manipule esse pedaço de carne com suas variações formidáveis de estruturar frases longuíssimas que, embora convincentes, não surtirão em mim o mesmo efeito retórico de outrora. Vacinei-me contra sua raiva.

2. Peço sigilo, não comentes nossa história com ninguém, não estabeleça comparações com suas amigas de relacionamentos passados, tendo em vista que, para mim, não houve relação alguma, a não ser sentimentos que já não sinto, vontades que não tenho, pingados por longas noites, dias, tardes de sexo que, ao final, tornaram-se burocráticas e com poucas novidades, o que guardo então em minha cabeça, se quer saber, são apenas alguns gemidos, bocas estranhas e comentários boçais que fazia e que, hoje, só me causam riso ao recordar.

3. A partir desse momento não conte mais comigo. E esse, acredito, deve ser o maior golpe para você. Não fará mais uso de sua ferramenta, eu, quando assim a buscar; não utilizará mais meu raciocínio, minhas palavras, meu falo, quando buscar porto seguro - sua nau naufragou. Busque tal conforto em outros espécimes, antigos casos que devem se sentir altivos e garbosos com os movimentos de seus quadris – e isto tenho que reconhecer – tão bem executados e que trarão às suas escutas, em troca, aquilo que deseja ouvir: que és linda, talentosa, independente, decidida, coerente, pragmática, inteligente, enfim, mentiras.

4. Ex-amiga, deu-me presentes, ornamentos, que não mais me causam gosto e, por isto mesmo, não serão devolvidos a você, já que tantas vezes foram comprados, bem sei, com a intenção maquiavélica de me conquistar. Mas não se preocupe, não desfilarei com tais peças. Irei queimá-las. Assim como o fez com minha auto-estima. E a alerto, vago ser, que um homem sem auto-estima é uma taça vazia, uma bandeira que tremula sem símbolo, ou uma carteira sem dinheiro, como você, exemplarmente, gostava de se referir analogamente às minhas parcas finanças que não conseguia sustentar por um único motivo consumista: você.

5. Não me esqueço das motivações que me causava ao dizer certas coisas que só posso classificar aqui como “coisas”, tamanho o desvario com que saltavam de sua boca carnuda e rosada. Apesar de sua reconhecida alfaiataria semântica, tudo o que me dizia eram arquiteturas de seu pensamento que, agora sei, evoluiam a uma só direção: seus interesses. Muito obrigado, mas lhe devolvo na mesma proporção com que elas hoje causam em mim: ___________.

6. Não terá também meus atentos e concordantes ouvidos às suas reivindicações e opiniões sobre o aborto, o divórcio, a liberação sexual e questões que o feminismo insiste em dizer tomarem decisões machistas, mas que, ao final, você, ex-dama-de-minha-noite, acaba se esquecendo e agindo do mesmo jeito. Poupe-me da razão feminista ultrapassada que você vomita em mesas de bar, jantares e encontros, mas que não a tem.

7. Entenda, ex-docinho-de-coco: estou cansado, muito cansado, estou mesmo muito, mais muito, muito, muitíssimo cansado de pensar se vale a pena ou não nosso andrajoso romance, se devo reconsiderar por mais tempo ainda sua traição, seu gozo com outro, suas pernas arqueadas esperando o sexo do outro, na tentativa profícua de esquecê-la. Meu nojo e asco atingiram lugares banais, tornaram-se ódio.

8. Assim, competente e versátil que você é, ex-mulher-de-meus-filhos, desempenhe também este papel: suma do meu caminho sem deixar rastro, vá cuidar de sua famigerada, miserável e rasa existência, distante e infeliz substância aquosa que você, nesse instante, deve ter se tornado.

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