terça-feira, 9 de março de 2010

João Página Planta cai do décimo quinto andar


João Página Planta fracassou enquanto (naquilo que queria ser) homem de verdades verdadeiras. Cômico, visto que sempre teve dificuldades em expressar as verdades de sua vida e quando o faz, cai em descrença. Fez com que suas palavras – transcrição de seus sonhos – se esvaíssem em seu primeiro momento de fraqueza; aquele momento em que tantas vezes afirmou, com veemência, conseguir transpassar sem maiores infortúnios e pormenores.

Agora, lá está ele sem saber o que fazer, envolto em sua manta de manias necessárias e com medo de tudo aquilo que imagina estar em iminência de acontecer.

Nunca foi de elaborar o futuro, pelo fato de sempre querer ‘fazer’ o presente da forma mais adequada possível. Uma organização sistemática que o guia por caminhos retos, mas sempre com destinos tortuosos. Achava que seria diferente.

Busca, agora, confortar-se em algo que o faça mais capaz, ainda que sem muito sucesso, por enquanto. Tenta conseguir engolir a bola de pêlo que lhe foi enfiada goela abaixo, procura entender aquilo que não é de compreensão, aposta que suas lágrimas estão aptas a secar, ainda que sujando a alma, para depois a chuva lavar; e, por fim, arrisca-se em manter-se pronto, decidido e composto para arrostar qualquer coisa que ponha sua veracidade em questão, como quem põe o coração numa frigideira.

Não suficiente, teve seus sentimentos colocados em xeque, como quem aponta o dedo na direção de alguma cara mentirosa. Agora é castigado por conta daquilo que sente, como se fosse possível punir alguém por gostar, amar e desejar. Carrega o fardo de um peito cheio de coisas boas, como se isso fosse realmente uma carga ruim.

Mesmo assim, desiludido que só ele, não vai deixar de ter seus sentimentos como nobres e nem de pensar que eles podem instigar qualquer superação, mesmo já tendo vivido o suficiente para saber que as coisas são mais cinzas do que se pode imaginar. Não vai ser porque uma vez foi assim que assim sempre será. Se desse jeito fosse, teria pulado do barco em outras tempestades no mar.

Para falar de suas características, não costuma insistir em sofrer. Depressão pra ele nunca existiu. Sempre teve ojeriza ao papel de bobo, idiota e panaca, apesar de encarná-lo vez ou outra. Nunca aceitou ser injustiçado. Não pratica desperdícios e nem fenece em desistências fatalmente diminuidoras. Nunca foi homem de bom prumo. Aprendeu a ceder e a compreender. Sente sua ferida arder para soprar a de outro.

Mesmo assim, cheio de tristeza e com a carcaça reduzida a restos mortais, optou por ser esperançoso, por acreditar que tudo aquilo que viveu, leu e escutou não há de ser poesia jogada ao vento. Ainda tenta entender como uma pessoa entra sem convite, estraga tudo e depois dá de costas para ir embora. Ainda insiste em confabular sobre o egoísmo humano, mas já sem muita insistência. Ainda persiste em muitas coisas nas quais não deveria. Todavia, seguirá com a sua vida atrás de tudo aquilo que deseja ter; sabe que é capaz e merecedor e leva consigo a certeza de que, com sorte, há de ter sorte algum dia.

Que coração mudado, esse de João Página Planta...

Da roda de Tango

Não entendemos ou sequer vislumbramos entender o que é o Tango para os Argentinos. Não falo da música, como me disse um portenho "triste, nada alegre, são cores cinzas". O rito de apreciação de uma interpretação de um tango beira o rompimento do espaço. Existe um respeito imensurável com tal cultura. Estar em Buenos Aires e ir a um Tango ou uma Milonga é como ir ao Rio ouvir Samba na Lapa. A diferença, entretanto, não está na entonação de quem canta ou toca, no espaço miúdo que ambos abraçam suas melodias, muito menos nas pessoas que, bonitas, se regozijam ao ver uma potente interpretação. Tal visceralidade existe em ambos.

Contudo, os
cantantes de Tango parecem sustentar uma alcunha distinta. Entra-se num bar, percebe-se o movimento, mira-se as pessoas que conversam incessantemente produzindo uma cacofonia estranha (natural à todos os ambientes lotados) e aguarda-se o acorde inicial. Até aí, em nada se distingue os dois estilos e lugares em que estes são executados. Todavia, ao soar a primeira nota, em vez de um esfuziante acordar o corpo para o ritmo, o que acontece é o contrário, um acender de olhos para o espírito. Tal definição pode parecer piegas, epifania barata, mas é algo próximo a isto. Bêbados e drogados, jovens e velhos, abstêmios comportados ou putas despudoradas, são tomados de um imenso silêncio. O cômodo pequeno, com suas paredes maturadas por tantos anos de sobe e desce bebidas, torna-se um espaço sagrado, como se o violeiro e o intérprete fossem os papas dessa missa profana, que em vez de hóstias traz lamentos, martírios bons de serem passados.

Assim como o passo clássico do Tango que não existe de fato na dança (aquele com as mãos arqueadas na altura do ombro, como flechas que cortam o ar), minha noção passageira desse estado de respeito com tal arte é algo absoluto. Não temos, contudo, mais ou menos respeito com nosso Samba, são amores distintos. Mas observar uma cultura tão fiel às suas criações embebeda e transforma, de alguma forma, todos que a apreciam. Que o diga seu maior representante Carlos Gardel que, por um equívoco do acaso, foi nascer em outra pátria.

terça-feira, 2 de março de 2010

Paralipômenos de uma obra sentimental


A insegurança é – também – diretamente proporcional à evolução do sentimento. Explica-se, assim, a carência aparentemente sem motivos, a persistência dolorosa dos pés atrás, o medo do desenvolvimento daquilo que se sente e a sensação covarde da desistência.

De início, palavras se mostram suficientes. Posteriormente, acontece que gestos e atitudes tornam-se meio que necessários; tanto para abalizar aquilo outrora dito ou apenas para demonstrar reciprocidade sem maiores pretensões. Bom seria se, doravante, todos assim enxergassem e compreendessem este imbróglio. Boa parte da fábula que envolve relacionamento homem x mulher seria dissolvida.

Concomitantemente, pior que isso são aqueles que, como eu, fingem entendimento nas coisas quando, na verdade, não passam de exemplares taciturnos, taludos e ventrudos desses quiprocós mundanos e que ficam mirabolando relações diretas ou inversas sobre aquilo que sentem ou deixam de sentir.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Um grande garoto

Por mais improvável que isso possa parecer para alguns, a revista Veja dessa semana nos trouxe algo de útil e realmente interessante. Não me lembro da última vez que isso aconteceu. Nas páginas amarelas da edição de domingo passado, o entrevistado foi o escritor Nick Hornby, uma das principais figuras contemporâneas da ficção inglesa e que, inclusive, já foi citado aqui vez ou outra, por conta – principalmente – de seu incrível best seller Alta Fidelidade.

Enciclopédia do pop, ‘movimento’ retratado por ele em praticamente todos os seus personagens e obras, Hornby falou sobre cultura pop atual, música e formato digital.

Em relação a mp3, Ipod, blog e downloads, nada demais. Falou sobre a mudança que isso causou na relação entre ouvinte e música e sobre as vantagens versus desvantagens, qualidade versus quantidade, produção de valor versus produção descartável, real versus virtual. Tudo a que já estamos habituados a ouvir e ler. Entretanto, o ponto listado por último me chamou a atenção. “Há inúmeras comunidades organizadas em torno da música no mundo virtual, mas esse intercâmbio não existe mais no mundo real”. É praticamente como falam meu pai e meus amigos mais antigos, sob o ponto de vista de seus nascimentos.

Hoje em dia não existe mais aquela coisa de os amigos se encontrarem, com os discos de vinil debaixo do braço, para escutarem e falarem sobre música. Não existem mais lojas de discos como aquela retratada por Hornby em Alta Fidelidade e muito menos o antigo hábito de se comprar discos, e ficar ansioso com tal prática. Hoje fazemos downloads de inúmeros álbuns de uma só vez, mas sequer os escutamos posteriormente. Ficam largados no player. Apesar das compensações que isso trouxe, acarretou uma grande perda de tradição. Ao contrário de Nick, sou nostálgico, tanto que me reúno com meus amigos até hoje pra falar sobre música e ouvir nossos discos; sejam eles cd, mp3 ou vinis. Herança do meu pai que, por sorte, tive.

O ponto crucial dessa parte da entrevista em particular foi quando Hornby abordou a questão enquanto profissional de uma área criativa. É a partir daí que ele enxerga o grande problema dos formatos digitais. Afirmou que daqui a alguns anos, fazer dinheiro com música, livro ou filme poderá ficar bem mais difícil. “Será um obstáculo para a profissionalização do artista”. Do ponto de vista do consumidor, os formatos digitais pouco preocupam.

Tendo isso, interessante mesmo foi quando o foco da entrevista foi para a música e a cultura pop. Questionado se esse tipo de música ainda é um canal para os jovens se expressarem em relação às suas diferenças para com a sociedade, Hornby respondeu – com maestria – que o rock, por exemplo, agora é como a literatura: existe uma biblioteca estabelecida. Ouve-se o que está sendo feito hoje e nota-se que algumas coisas se parecem com Pink Floyd, Beatles, Rolling Stones ou outro clássico qualquer. “Os jovens ouvem Jimi Hendrix como quem lê Flaubert”, pontuou. Pelo que se pôde perceber, parece que o escritor crê numa mutação do rock para algo intelectual, além de cerebral, que atinge certa parte da juventude (quando atinge) como algo cult, se é que posso assim dizer. Aquela roupagem rebelde e revolucionária de outrora parece ter ficado apenas para registro e apreciação.

A verdade é que, de tudo o que é produzido nos dias atuais, muito pouca coisa é realmente e genuinamente autoral. De fato, pouca coisa é inovadora. Praticamente toda a massa pop musical disseminada hoje em dia é fruto do que veio antes. Parece que de tão bom, não se conseguiu fazer nada melhor que os produtos de duas, três ou quatro décadas atrás. Obviamente, sou obrigado a dizer que existem gratas exceções, para o nosso bel prazer. Mas o que nos enche os olhos (e os ouvidos) até hoje, são as velharias insubstituíveis, tais como as que Eric Clapton reuniu para o seu Crossroads Guitar Festival, a ser realizado em junho próximo, na cidade de Chicago – EUA.

O guitarrista reuniu nomes (só pra citar alguns) como Albert Lee, Allman Brothers Band, BB King, Buddy Guy, Gary Clark Jr., Hubert Sumlin, Jeff Beck, Jimmie Vaughan, João Gilberto, Joe Bonamassa, Jonny Lang, Robert Cray, Steve Winwood e ZZ Top para um dia inteiro de celebração musical em benefício ao Crossroads Centre da ilha de Antigua; criado em 1997 por Eric Clapton para oferecer qualidade e preços acessíveis para tratamento de álcool e outras drogas. Para conferir a programação completa, ter acesso a outras informações e mais detalhes desse incrível festival clique aqui.

Como ninguém merece ter o desprazer de comprar uma revista Veja, como bem disse minha amiga Renata, vulga @rebatata, me disponibilizo a enviar a entrevista com Nick Hornby para quem quiser. Basta solicita-la via comentário.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Nota rápida


Já está no ar mais um texto para o blog Keep Rocking, e a dica dessa semana é do disco The Kinks are the Village Green Preservation Society, dos incríveis The Kinks, uma das bandas mais legais da história. Clique aqui e se divirta. Siga o blog no twitter.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Justiça seja feita


Sabe quando passamos a gostar de determinado disco somente após escutá-lo pela quinta vez? Pois bem. Foi assim que aconteceu comigo e o quarto trabalho de estúdio do Otto; só que na sexta vez. ‘Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos’ é, de fato, um belo álbum. Antes, uma breve errata.

Há pouco mais de um mês, quando do primeiro post de 2010 aqui nesse mesmo blog, eu – e meu alter-ego momentâneo Rob Fleming – listei os sete melhores álbuns lançados no ano passado. Inconformado pela ausência de obras nacionais no top, Leonardo Rocha (também autor do 1queFaltava), depois de dizer um monte de bobagens e ser questionado sobre qual disco “brazuca” deveria figurar na lista, citou o dito cujo. Naquele momento, cheguei a dizer que, apesar de gostar do artista, ele ainda precisava comer mais um pouco de feijão. Ledo engano. Nunca é tarde para se retratar.

Até então, tinha escutado o disco apenas uma vez. Lembro que o baixei pela internet quando de seu lançamento em New York, em setembro, e o deixei encostado no meu HD durante um bom tempo. Quando o mesmo começou a fazer barulho por aqui, em dezembro último, me lembrei de ouvi-lo. Feito isso, não gostei. Talvez porque tenha soado um pouco estranho; talvez porque tenha parecido não-Otto.

Acontece que o Otto mudou, o próprio título nos dá uma noção: uma transcrição da primeira frase de ‘A Metamorfose’, romance de Franz Kafka, em que a personagem acorda transformado em barata: “Certa manhã Gregor Samsa acordou de sonhos intranqüilos”. Tudo que me fazia acha-lo estagnado, repetitivo e sem tempero foi deixado de lado, quase que abandonado. E boas inovações ganharam espaço. Eis aqui, os motivos de ‘Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos’ ser algo merecedor de destaque.

O título e a lembrança à obra de Kafka parecem dizer respeito a uma serie de mudanças na vida e na carreira do artista. Divorciou-se de Alessandra Negrini e perdeu a mãe e a afilhada. Além disso, ficou sem gravadora. Mesmo assim, com esforço e recursos próprios - e a ajuda de parceiros - lançou seu melhor álbum. Na fabricação da obra, largou mão daquela obsessão pela exploração do beat, presente em seus trabalhos anteriores (um tremendo avanço em minha opinião, tendo em vista que esse movimento já deu o que tinha pra dar) - apesar de a tendência percussiva manter-se presente - e deu lugar a arranjos eletrônicos, guitarras ríspidas, metais, mais cordas e vocais diferentes: ora acidentado, ora melodioso, ora seco. Aliado a tudo isso, estão as participações de convidados no disco. As cantoras Céu e a mexicana Julieta Venegas, os músicos Catatau (guitarrista do Cidadão Instigado), Pupillo e Dengue (baterista e baixista da Nação Zumbi) e Lirinha (Cordel do Fogo Encantado) deram suas contribuições em forma de toques especiais. A produção ficou por conta do próprio Otto em parceria com Pupillo. O artista Tunga assinou a capa, muito bem feita por sinal.

Portanto, venho aqui através desta humilde declaração, dizer que ‘Certa Manhã Acordei de Sonhos Intranquilos’, lançado ano passado de forma independente pelo artista Otto, merece alçar vôo até o posto 7 daquela lista feita no início de janeiro. Ganha de goleada do que listei nessa mesma posição anteriormente: o Ep ‘Fall Be kind’, dos chatos do Animal Collective, que, por sinal, só estava lá por conta de algumas observações. Apesar de pertinentes, Otto fez delas meras passagens textuais.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

I should be a selfish thought


Por sentir em exagero é que, às vezes, peco por excesso. O que desejava comedido me sai em derrame. É a sina dos abastados do coração; dos que pensam em si depois. Não que seja isso uma coisa ruim. Acho que não. Apenas é passível de análise. É até quase que obrigatório refletir sobre o fato de um sentimento bom ter que existir com limites, pelo menos em certa quantidade de períodos. Certo estou é de que algo ruim não deve ser alimentado com fartura. De resto, sei que pouco sei; sinto que o coração bate por si só - em batimentos hipertensos, sobretudo quando algo se exagera. Por vezes, pense primeiro em você mesmo sem remorso, sem penitência. Não queira sem antes se querer.