domingo, 2 de agosto de 2009

Relatos de um carrapato


Estava eu, carrapato, no aguardo de algo que lambesse a fina agulha da ponta do capim. Como de sempre, buscava apenas sorver sangue em qualquer hospedeiro que me fosse gentil - ou não. Em estado de alerta, balançava por sobre uma trilha, ante minhas proporções despenhadeiro, alternando essa atenção com o vislumbre da vista que alcançava. De súbito, senti algo roçar em minhas micro-patas e, num levante de milhonésimo de segundo, agarrei pêlos como se fossem asas. Estabelecido e em silêncio absoluto, aguardava o momento certo de começar minha função de existência (talvez a única que me orgulho, posto que transmitir doenças é um ofício que não me agrada, mas que sou sucumbido a aceitar por motivos divinos que desconheço). Assentado em um lugar cômodo, sensível e de complicada localização, hasteei meus ferrões e sapequei-os na superfície.

Calmo, sereno e em saliva, comecei meu constante sugar sem me preocupar com o que, dali para frente, poderia acontecer. Suga, suga, suga, suga, suga, suga, e clack! Sou arrancado de meu hospedeiro de forma bruta, sem pedidos ou observações, e começo a travar uma luta no corre-esquiva de unhas humanas. Tento escorregar pelos dedos, sou apanhado, fujo em disparada, sou novamente apanhado e, em fim de vida, sou esmagado com força inimaginável, não tendo compreendido ou ao menos sendo orientado sobre o motivo do acontecido. E agora, entendendo a razão do nome "carrapato estrela", deixo uma inadagação mediúnica, posto que estou morto: para que existi, existirei ou existo, se naquilo que sou melhor em fazer sou vilipendiado e lançado ao mais desconhecido dos destinos? Oras, carrapato existe para picar e sugar sangue. Queria saber se o dentista, em seus movimentos sádicos, também não receberá, futuramente, meu desafortunado fim.

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